quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A Amazônia que morre.

Compartilho aqui um trecho do texto de Lúcio Flávio Pinto para a seção de Meio Ambiente do Yahoo Notícias de 15/12/2010. Lúcio faz uma crítica à "objetivização" da ocupação do homem no território, uma vez que este tenta justificar o progresso utilizando métodos quantitativos e estatísticos. Ele escreve não como um mero observador, mas como uma pessoa que presenciou os locais de intervenções, ouviu os dois lados, e tomou o seu partido. Leiam, é muito interessante, principalmente para quebrar os paradigmas do desenvolvimento a qualquer custo. Destaquei os melhores trechos.
"Fui um crítico constante da hidrelétrica de Tucuruí durante sua construção, de 1975 a 1984, ano em que a usina instalada sobre o leito do rio Tocantins, no Pará, foi inaugurada, como a quarta maior do mundo. Mas não era um crítico à distância: estava sempre na obra. E, por incrível que pareça, conversando com os “barrageiros”, que me atendiam.

Certa vez, um deles, para me demonstrar que todos ganhariam com a hidrelétrica, me levou para percorrer as novas cidades. Elas estavam sendo preparadas para receber a população que seria remanejada da beira do rio para a formação do reservatório. O futuro lago artificial, o segundo maior do Brasil, alagaria uma área de três mil quilômetros quadrados (mais de duas vezes o tamanho de Belém, a capital do Estado, com seus 1,4 milhão de habitantes).

O engenheiro tinha todos os motivos – mas os seus motivos – para achar que os ribeirinhos viveriam muito melhor nas novas cidades. Lá eles teriam casas de alvenaria, ruas pavimentadas, água, luz e todos os serviços básicos, que não existiam na margem do rio. Mas eu não tinha dúvida de que os remanejados não iam partilhar a convicção do técnico.

É claro que eles estariam em melhores condições materiais num núcleo urbano planejado. Mas lhes faltaria no novo domicílio algo que todas essas vantagens não seriam capazes de compensar: o próprio rio.

O Tocantins era sua rua, sua fonte de água, de alimento, de trabalho, de vida. Depois de tantas gerações se sucedendo na margem do vasto curso d’água, tirar dele as vantagens, minimizando os prejuízos eventuais, era o grande patrimônio dessa população. Um aprendizado de séculos. Conhecimento experimental, empírico, sofrido, valioso, único.

Subitamente, são remanejados rigorosamente manu militari (o primeiro presidente da Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás responsável pela hidrelétrica, foi um coronel-engenheiro do Exército, Raul Garcia Llano). O legado de séculos no trato com o ciclo das águas, subindo e descendo por turnos semestrais, se tornou inútil na terra firme, longe do rio, em ambiente pouco conhecido

Pelos critérios quantitativos, o engenheiro podia provar matematicamente que a mudança foi positiva. Por essa régua, também é superavitário o balanço da transformação que ocorreu na Amazônia no último meio século, principalmente em função de “grandes projetos”, como o de Tucuruí, que representou investimento superior a 10 bilhões de dólares.

Mas o triunfalismo da história oficial se vale da ausência de um índice capaz de medir e traduzir numericamente a felicidade. Se houvesse esse indicador de satisfação, ele revelaria a tristeza do homem obrigado a trocar o rio à sua porta pela casa de alvenaria no meio da mata – que, aliás, desapareceu.

O homem da Amazônia é detalhe ou enfeite no “modelo” (que nada tem de modelar) de integração forçada da região ao país e ao mundo. Modelo definido a partir de fora para fazer a vontade do migrante, seja ele pessoa física ou empresa, João da Silva ou Vale do Rio Doce, nascido no país ou vindo do exterior (quanto mais distante, mais poderoso).
Para a “modernização” compulsória pouco importa que o nativo esteja ou não feliz. Seu mundo está condenado a desaparecer. Tudo que é considerado primitivo, atrasado e isolado será progressivamente esmagado pela máquina que produz mercadoria, à medida que ela vai avançando sobre as novas áreas. Seu rótulo é a única fonte válida de valor, do que interessa ao mercado. O mais é descartável, inútil."
Texto completo: http://colunistas.yahoo.net/posts/7108.html


PS: Lembro que foi aprovada a chamada "PEC da Felicidade" no Senado, que determina que os direitos sociais (a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados) são essenciais à busca da felicidade. Coitados dos índios, o direito ao rio não está entre eles.

Fonte: http://www.senado.gov.br/noticias/verNoticia.aspx?codNoticia=105223&codAplicativo=2

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