terça-feira, 17 de setembro de 2013

No Nível Deles

Dia 21 de setembro se comemora o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.

Alguns podem pensar porque foi usado o termo “luta”. Essa palavra em geral é utilizada para guerras, batalhas, combates, disputas. Todos esses infortúnios criados pelo ser humano exigem algum esforço ou comprometimento físico. Às vezes até demais. Como, então, pessoas com deficiência poderiam lutar?

Observem a imagem abaixo:



Essa é uma vista da Rua Barata Ribeiro, próximo ao Hospital Sírio-Libanês. Área nobre da capital paulista, próximo à Avenida Paulista – centro do centro econômico do país. Claro que os famosos chegam de helicóptero.

Isso nos leva a pensar: o que é acessibilidade? O que é acessível? Segundo a norma NBR 9050, da ABNT, é um espaço, edificação, mobiliário, equipamento urbano ou elemento que possa ser alcançado, acionado, utilizado e vivenciado por qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade reduzida.

Pensemos na imagem acima. Pensemos nas ruas por onde passamos todos os dias. Pensemos em nossas casas, os locais onde trabalhamos, onde fazemos nossas compras, onde praticamos atividades físicas ou de lazer. Não posso deixar de pensar: acessível para quem? Ali quase é necessário escalar!

É muito claro que a definição é utópica. Eu prefiro o termo “acessibilidade universal” – antes utilizado –, pois a utopia de conseguir abranger o universo todo está mais clara, escancarada na própria palavra.

Então, é uma luta sim! Se eu penei para subir essa ladeira, imaginem uma pessoa em cadeira de rodas, de muletas ou com bengalas. Não precisa ter deficiência física. Um esportista de final de semana com físico invejável (como eu), recuperando-se de uma lesão no joelho. Que tal uma senhora de idade? Ou um garotão que se alimenta à base de proteínas, aminoácidos e outras drogas sintéticas, mas carrega a compra do supermercado em um carrinho de mão? Todos terão dificuldades.

E enquanto discutimos as condições (ou falta de condições) para tornar nosso ambiente mais acessível, os médicos estão fazendo pesquisas com células-tronco e outras para achar formas de recuperar a capacidade física das pessoas. Alguns até se aventuram em áreas como física, cinética, robótica. Os médicos estão buscando áreas diversas das especialidades deles – saindo das zonas de conforto. Porque não podemos fazer o mesmo?

O CENSO de 2010, realizado pelo IBGE, aponta que cerca de 23,90% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. São 45,6 milhões de pessoas que se locomovem, vêem, ouvem e pensam de forma diferente do “normal”. São cidadãos que teriam muito mais dificuldades diante de situações como a da ladeira.

A luta de toda essa galera não é somente contra as barreiras físicas. São inúmeros os casos de problemas psicológicos causados pelo preconceito e outros infortúnios criados pelo ser humano. A luta ainda passa pela burocracia de governos, pelo egoísmo criado pelas características capitalistas e, em último caso, pela omissão daqueles que acham que já têm problemas suficientes.

Imagine-se com uma deficiência. Imagine um filho seu com deficiência. Ou um irmão.

Penso que as pessoas com deficiências somente ganharão essa luta se não estiverem sozinhas. Não precisa ter um grandioso nível de comprometimento para ajudar. Não é necessário ter uma lei que obrigue a fazer (mas tem). É no nosso dia-a-dia que tomamos decisões que podem afetar as vidas dessas pessoas. Nesses momentos é que podemos cumprir o óbvio, o esperado, o banal, ou podemos fazer pequenas ações extraordinárias.

A luta é nossa! Não é só deles! O nome deveria ser “Dia de Luta PELA Pessoa com Deficiência”. Tratemos deles como merecem ser tratados: como se fossem das nossas famílias. Aí sim teremos motivos para comemorar.

Então, enquanto os médicos não descobrem maneiras mais eficazes de fazer com que as pessoas com deficiências se levantem e cheguem ao nosso nível, devemos, nós, chegar ao nível deles.

Isso significa que devemos baixar o nosso nível?

Sim! Somente com um olhar com altura entre 1,0m e 1,20m é que teremos a visão real do desafio.



Façam um exercício ao passarem por uma calçada com piso tátil. Definam seu destino, fechem os olhos e andem. Usem o tato como guia. Não vale espiar. Mas cuidado com os carros!

sábado, 2 de março de 2013

"Tem um dinheiro aí?"

Hoje de manhã, enquanto eu saía da padaria, um homem me abordou e pediu dinheiro. Ele disse que era para pegar o ônibus para Toledo. Enquanto estava entrando no carro, eu disse "não". Aí ele insistiu, perguntou se eu não daria nem dez centavos. Falei "não vou dar". Ele ficou parado ao lado do carro, pareceu não acreditar no que eu havia dito. Então, olhei nos olhos dele, e ele saiu de perto. Ao sair com o carro, olhei no retrovisor. Ele abanou os braços, batendo-os de leve contra as pernas, em sinal de indignação.

Decidi não dar dinheiro a ele porque a história, no momento, não me convenceu. Já fui abordado por inúmeras pessoas, em diversos locais diferentes, que pediram dinheiro com essa mesma justificativa. Ele estava vestido normalmente, não era um mendigo. Simplesmente não pareceu que aquilo fosse verdade na hora.

Um fato com certeza pesou. Eu havia deixado minha filha em casa para ir na padaria. Ela estava acordada e vendo televisão. Disse que precisava ir, para que ela pudesse tomar o café da manhã. Ela concordou. Levei a chave. Eu só queria ir e voltar o mais rápido possível. Se eu fosse assaltado, ela estaria em perigo também.

Pensei sobre o que aconteceu no caminho e depois em casa. Fiquei com várias dúvidas.

Será que temos que dar dinheiro? Independente da necessidade do pedinte, ao sermos abordados, estamos em situação de débito? Sou uma pessoa ruim porque recusei? Ou porque simplesmente duvidei da palavra dele?

Confesso que quando sou abordado dessa forma, ao sair ou ao chegar no carro, já fico com receios. Ouço diversos casos todo dia de pessoas que foram abordadas e, ao demonstrarem boa intenção, descobriram a má intenção de quem abordou. Até a polícia dá inúmeras dicas de como se proteger. Ela informa que as abordagens enquanto a pessoa adentra ao carro representam grande parte dos crimes nas cidades. Talvez, parte do que senti, e da forma como reagi, foi por necessidade de defesa. Mesmo que pequena.

Outro pensamento interessante. Eu deveria ter mentido? Poderia dizer, no momento, que não tinha dinheiro. Apesar que o tilintar das moedinhas no bolso poderia me denunciar. Poderia ter dito que paguei no cartão. Assim, não haveria dinheiro para dar, nem o aparente "compromisso".

Eu não minto. Dando o exemplo, ensino minha filha a não mentir. Não acho que a mentira seja necessária, embora muitos afirmem que seja. Se não posso dizer a verdade, simplesmente não digo nada. Caso a informação afete não somente a mim, falo que não posso informar. No caso da abordagem, falei a verdade. Várias pessoas inventariam histórias. Ou até dariam o dinheiro, de forma a livrar-se logo do "inconveniente".

Por outro lado, penso que eu deveria ter sido mais humano. A história poderia ser verdade. O olhar dele pareceu mesclar sentimentos de indignação e de decepção. Mas só fui perceber isso no caminho de volta.

Tento me imaginar em situação semelhante. É uma humilhação, para uma pessoa que preza pelo trabalho, ter que pedir. Não seria confortável, pelo menos para mim.

Depois de pensar muito, arrependi-me do que fiz. Várias dúvidas permaneceram na minha cabeça. Naquele momento, eu poderia tentar questioná-lo, de maneira a eliminar as dúvidas. Poderia ter perguntado, de forma ríspida: "onde você mora em Toledo?", ou "o que veio fazer aqui num sábado de manhã?", "em qual empresa veio fazer a entrevista?". Se a história dele ficasse um pouco mais verídica, acho que eu teria dado o dinheiro.

Ou talvez não. Confesso que não sei.

Também não acho que devo internalizar essa situação e tentar agir dessa maneira da próxima vez que eu for abordado. Talvez alguns "circuitos" do meu cérebro estavam alertas. É possível que meu inconsciente "captou" alguma coisa, emitiu um alerta, e no "balanço contábil" da avaliação entre a verdade e a mentira - com peso importante por ter deixado minha filha em casa -, pareceu-me a melhor atitude a tomar no momento.

Decidi escrever sobre o assunto porque, apesar de parecer banal, acontece diariamente com todos nós. Em todas as cidades existem pedintes, flanelinhas, "malucos que falam sozinhos" (esses merecem um texto à parte), assim como pessoas com intenções diversas, como viciados, assaltantes e outros. São personagens das cidades, assim como nós. Se queremos viver em sociedade, viveremos com essas pessoas.

Mesmo que algumas pessoas relutem, há pouco o que fazer. Não cabe dizer que o governo não está fazendo seu papel. Creio que existam pessoas com problemas em todos os países, inclusive os mais desenvolvidos. Os governos trabalham para diminuir os problemas das pessoas. Mas sem o auxílio de toda a sociedade, é um trabalho perdido.

Tudo isso, ao final, foi positivo para mim. O que aconteceu me fez refletir, e isso é sempre bom. Esse fato me ensinou que tenho que ter a mente limpa de preconceitos, avaliar bem a situação, tentar obter o máximo de informação que for possível no momento, confiar que meu "CPU" faça uma salada com tudo isso e tomar a decisão que aparente seja a correta. Confesso que falhei em tentar obter o máximo de informações. Mas me orgulho de não ter mentido.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Brasil, quem paga (a conta) é você


Havia tempo que não me empolgava com algum assunto para colocar no blog. Mas esse ano de 2013 já começou bem. A Globo está passando uma série de reportagens no Fantástico sobre problemas de infraestrutura no país. Chama-se "Brasil, quem paga é você".

Foram duas reportagens até agora, uma no dia 06/01 e outra em 20/01. A primeira sobre diversas obras, tanto privadas quanto públicas, e a segunda exclusivamente sobre a obra de transposição do Rio São Francisco. Vale a pena conferir:

http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/obra-de-usina-no-rs-esta-parada-ha-25-anos/2330039/

http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/transposicao-do-rio-sao-francisco-esta-mais-cara-e-atrasada/2357169/

Confesso que, antes de ver, achei que perderia meu tempo. Imaginei que seriam como quaisquer outras - que nos revoltam, mas não mexem conosco. Viram assunto nas segundas, para depois esquecê-las e continuar nossas vidas normais.

Mas essas me surpreenderam. Ambas foram muito bem feitas. Entendo que abordaram os fatos de forma profissional e por isso resolvi recomendá-las. Alguns fatos chamaram muito minha atenção. Os repórteres conseguiram colocar as situações de maneira explícita, sem manipulações. Foram aos locais das obras, para poder verificar de perto. Buscaram diversas fontes, tanto responsáveis diretos pelas obras quanto os diretamente afetados por elas. Foram apartidários, não julgaram e não apontaram responsáveis. E mostraram o lado social - as pessoas que realmente precisam dos benefícios que essas obras poderiam trazer. Mostraram em High-Definition tanto as ferrugens de obras paradas quanto as peles queimadas do sol dos moradores locais, sem energia ou sem água.

A conclusão de ambas é o que faz pensar. Será que planejamos o suficiente? Poderíamos ter aprimorado os projetos, calculado direito os custos? Será que pensamos com carinho no meio ambiente e no lado social? E os riscos de ocorrer problemas? Talvez, em determinado momento, deveríamos ter pensado que o plano não era assim tão bom. Mas não falamos, com medo de perder nossos empregos ou afetar nossos egos pessoais e profissionais.

Coloco essa questão na primeira pessoa, pois todos nós somos responsáveis por esses fatos. Essa é a grande sacada das reportagens. Algumas pessoas são em maior escala, outras em menor. Talvez por simplesmente não querermos participar - por preguiça ou outra coisa.

 Não somos perfeitos. Mas existe uma coisa que é inaceitável. TEMOS que aprender com nossos erros. As culturas de países "desenvolvidos" foram moldadas com muito custo - com os erros da história. Mas, em determinado momento, geralmente quando passaram por grandes traumas (guerras, doenças, desrespeito a direitos humanos, intransigência de governantes, bombas atômicas,...), eles os documentaram e aprenderam com eles. Quantos filmes emocionam milhões com histórias de pessoas que sofreram, venceram e aprenderam. Pessoas simples, como nós.

Talvez não tenhamos que passar por isso. Ou talvez tenhamos. Não tenho olhos para enxergar o futuro. Mas que o que passamos nos faz crescer, isso é certo. Desde que aprendamos. Talvez precisemos de um governante que, ao invés de dizer o que o país fará por nós, pergunte o que podemos fazer por ele (pelo país). Alguém já disse isso antes?

Então, obrigado à Globo, que conseguiu transformar esse tema, tão caro a todos nós, em emoção. Estou aguardando ansiosamente a próxima reportagem.