terça-feira, 26 de abril de 2011

Percepções da Cidade - Conceitos

A velocidade do objeto depende de seu observador. Creio que muitos professores de física repetem essa frase diariamente para seus alunos. Diversas óticas, desde o pensamento mais simples até a complexa Teoria da Relatividade, podem se extrair dessa afirmação. A coisa se torna ainda mais complicada quando o pensamento se expande para outras ciências, como sociologia, anatomia e outras. A verdade é que a percepção do fato é diferente do fato real. As diferenças de estado do observador podem, inclusive, mudar sua própria visão ou percepção de determinadas coisas. Às vezes até um estado emocional diferente do normal pode levar quem observa a perceber uma nova realidade nas mesmas coisas.


Todo esse parágrafo pseudofilosófico serve apenas para demonstrar que a nossa percepção das coisas depende tanto do estado das próprias coisas como de nosso próprio estado. Como em geral não dependemos da qualidade do ar para observar alguma coisa (por enquanto), assim como é na água, esses dois fatores são suficientes para criarmos diferentes "visões". O termo está entre aspas pois a percepção não se limita a somente um sentido. Sentimos com as mãos, com o nariz, às vezes até com outros membros - como os pés.

A cidade, assim como as outras coisas, pode, também, ser percebida. Muitos chamam de paisagem urbana - muito confundida com jardinagem ou outras atividades ligadas à natureza. A imagem parece estática, mas não é. As interações entre as pessoas, os deslocamentos, o clima, o estado de limpeza dos edifícios, as nuvens e as diversas possibilidades combinatórias fazem com que as imagens da cidade NUNCA sejam iguais. É errado falar como a cidade é alguma coisa, a não ser que se ressalve que a descrição se refere ao estado atual dela. A paisagem urbana ESTÁ dessa maneira, ou de outra. A "selva de pedra" é dinâmica, muda a todo momento.

Essa mudança não é o único fator que leva a diferentes percepções. Se dois fotógrafos se colocassem lado a lado para retratar a mesma paisagem, suas fotografias seriam, necessariamente, diferentes. Inicialmente pelo simples fato de estarem em posições separadas, mesmo que com pouca distância entre eles. Depois, porque seus equipamentos fotográficos poderiam não ser iguais, e ainda configurados com especificações especiais em cada um. Um carro poderia passar na hora em que ambos clicassem no botão e ainda assim aparecer em somente um retrato. O sol, refletido em um canto de janela de um edifício qualquer, poderia ofuscar uma das imagens. São infinitas e inúteis repetições do verbo "poder" no futuro do pretérito (o futuro do que não foi) para tentar, em vão, prever as combinações de acontecimentos.

Porém, somos muito mais complexos que máquinas fotográficas. Nossos sentidos interagem entre si. É comum ter a vista embaçada por cansaço físico. Quando com frio, sentimos mais sono. Alguns cheiros causam atração ou retração, dependendo da dona do sovaco vencido. Quando procuro algum endereço quando estou dirigindo, tenho que baixar o som do rádio, porque me atrapalha. E pior: não há como configurar o corpo humano. Alguns "mestres" japoneses dizem que dá, por meio de toques em pontos específicos, que causariam sensações e emoções nas pessoas. Tudo bem, consigo imaginar alguns lugares que poderiam "configurar" o estado da pessoa. Também, quando estamos em movimento, temos sentimentos alterados. Ou quando sentimos perigos latentes. Um término de relacionamento, por exemplo, pode causar várias alterações na psique humana, inclusive-zive na forma como se percebe a cidade.

Esse texto conceitual serve para introduzir uma série de outros que virão. O ponto que quero chegar é que, se uma pessoa quer ter uma experiência completa - ou o mais perto possível da completa - de percepção da cidade, então ela deve interagir com o espaço urbano de inúmeras e diferentes maneiras. Acho engraçado, por exemplo, os que se dizem serem especialistas em transporte coletivo, mas não utilizam esse serviço em seu dia a dia. Também, há os que querem solucionar os problemas de ocupações irregulares, mas moram em mansões em áreas nobres. Há inclusive-zive os que gerenciam recursos da saúde, mas utilizam os recursos de outros estados para tratar a sua própria. Interagir com a cidade é vivê-la da mesma forma que os diversos habitantes dela. Então, para pensar a cidade, não basta olhar um mapa. Existe muita informação que poderia ser aproveitada direto das fontes - quentinhas, recém saídas do forno.

Nos próximos textos abordarei a cidade de Brasília sob o aspecto deslocamento. Serão três percepções da cidade em determinado momento: de carro, de moto e de tênis (a pé). Inverti a ordem natural de "evolução" de deslocamento do ser humano porque, aqui na capital federal, é a ordem progressiva de complexidade em mobilidade. Traduzindo: aqui, é mais fácil falar de deslocamentos em veículos do que a pé, por conta do desenho urbano e das políticas públicas direcionadas para os automóveis.

Observa-se. Percebe-se. Pensa-se. Vive-se. Vamos "misturar" essa lógica?

quarta-feira, 16 de março de 2011

Errar é? Uh, mano...

"Mas é isso mesmo que nos faz senhores da terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a validade dos nossos afetos. Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição que corrige a anterior e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes." (autor desconhecido).


Será que errar é mesmo humano? O homem tenta, desde sempre, considerar o erro uma coisa anormal. É visto como acidente, falta de informação necessária, coisa de gente inexperiente, irresponsável ou mal capacitada. O mundo ignora os erros, e valoriza a perfeição. Porém, para se chegar a alguma coisa perfeita, é necessário tropeçar no caminho. Afinal, ninguém nasce com o cérebro maduro. Se o erro é um caminho necessário à perfeição, por que então a humanidade sempre o ignorou?

O Renascimento foi um período marcado pela busca de um ideal: a proximidade com Deus. A igreja contratava artistas renomados para que retratassem com "precisão divina" as imagens da bíblia. As obras até hoje impressionam. Os artistas empenharam-se em matérias como anatomia humana, perspectiva, comportamento da luz e outras ciências para chegar ao padrão da época: o quase real. Ironicamente, a aquisição desse conhecimento levou vários artistas a questionar as intenções de seu contratante. Levou vários à fogueira também. Obras como a Monalisa demoraram muitos anos para serem finalizadas. Algumas, como a Capela Sistina, deixaram seus criadores loucos. Anos após, a música se tornaria objeto da necessidade patológica do homem pela perfeição. E da mesma forma, várias outras áreas de conhecimento seguiram o mesmo caminho. Antigamente, os quadros em óleo mantinham as pinceladas erradas e demais imperfeições nas camadas inferiores, como provas de que um homem, e não um deus, os criou. Os artistas eram sempre retratados sérios, talvez indignados pela falta de divindade de suas mãos.

Hoje, não se pode mais esperar anos para a finalização de uma obra. O mundo moderno, a globalização, ou qualquer definição para o tempo corrido atual, exige a mesma perfeição, mas em muito menos tempo.

O que o homem tem dificuldade em entender é que o erro é belo. Muitos erros foram tão incomuns e únicos que depois se tornaram arte. É também necessário. Cabe a pergunta: qual o método científico mais utilizado pelos teóricos para comprovar  hipóteses? Para responder, não é necessário fugir da realidade do homem comum. Como se aprende a andar de bicicleta? Não é possível aprender num livro ou e-book. A tentativa e erro, nova tentativa e erro, mais uma tentativa e novo erro, quarta tentativa - fracasso; pausa para o café; tentativa e erro, tentativa e... acerto... não - erro, é o único instrumento disponível em nossa civilização tecnologicamente hiperavançada. Ah, mas "eles" fazem simulações no computador. E o que são essas? Códigos, algoritmos e outras coisas difíceis fazendo exatamente a mesma coisa: tentando e errando, até... eventualmente... acertar. Ufa!

Portanto, a questão que se coloca é: por que o homem tenta esconder seus erros? Será que tem vergonha deles? Talvez esse sentimento apareça algumas vezes. Mas o mais importante é que o indivíduo tem medo de ser julgado. Em algumas situações não se pode errar. Uma cirurgia, um cálculo de uma estrutura de concreto, o fechamento do balanço contábil de uma empresa, por exemplo. Errar nessas situações causaria grandes prejuízos econômicos e de saúde. No geral, os erros são puníveis. Os culpados, identificados, condenados, expulsos e o pior: rotulados. A sociedade ética e a consciência coletiva não consideram o arrependimento como virtude. O perdão não é praticado. Pela lei, o indivíduo pode até cumprir a pena e "zerar" seu débito. Mas a sociedade é muito mais conservadora.

E por que alguns erros são mais importantes que outros? A lei é a tentativa da sociedade de passar a limpo seus conceitos éticos - o que é considerado justo, o que e como deverá ser punido. Os crimes são catalogados, como em um cardápio de opções com preços. Mas quem faz as leis? Quem as aprova? Será que crimes eleitorais e políticos são puníveis da mesma forma? E por que não são? Muitas vezes, crimes como desvios de verba pública podem parecer menos importantes que roubos comuns, ao comparar a quantidade de punições para cada um. Então, se a punição é menor e muitas vezes nem acontece, há a percepção de que o tipo de erro é menos importante. Muitos acham que nem são erros. Muitos brigam pela oportunidade de errar.

A tecnologia ajudou a esconder os erros. É muito mais fácil, hoje, passar a borracha. Basta um desfazer, um "delete", um "ctrl+z" para apagar de vez o registro do erro. Parece que ele nunca aconteceu. E "voilá", você é uma pessoa perfeita, invejada, influenciará milhares... Em escalas maiores dessa mesma atitude, as empresas escondem seus erros, os políticos mentem, e muitas pessoas inocentes são condenadas. Mas a mesma tecnologia, que permitiu com tanta maestria ocultar os defeitos característicos do ser humano, pode também ser utilizada para achá-los. Um sítio na internet, que causou dor de cabeça em muita gente, coloca, disponível para qualquer indivíduo visualizar, as confidências e os segredos dos países mais importantes do mundo. A internet é o "olho que tudo vê". Muito cuidado!

Interessante é comparar as visões que a sociedade e a religião têm com os atos errados. A Deus, tudo é perdoável, desde que o indivíduo se arrependa. Tudo bem, esqueçam por um momento os momentos bíblicos de revolta e fúria do ser superior à humanidade, como quando teria expulsado Adão e Eva do paraíso. Ou mesmo comparar com o que naturalmente é ensinado pelas mães nos lares. Fez errado, peça desculpas. Arrependimento e perdão. Nunca mais a criança errará de novo. E se o fizesse, surras cinematográficas seriam o castigo, com direito a traumas futuros. Sem apologias ao chinelo ou ao cinto. Todavia, esse jovem aprendeu a lição. E ensinará seus filhos a não cometer o mesmo erro.

É esse processo que está se acabando - o aprendizado. Quando se quer aprender como fazer alguma coisa, obtém-se fácil o que fazer. Mas e quanto ao que NÃO fazer? Muitos manuais de produtos eletrônicos sabiamente passaram a incorporar os erros mais comuns. "Não coloque os dedos, a mão, o pênis...". Muitos gestores incentivam a elaboração de manuais ou guias de melhores práticas. Pensa-se para o futuro que melhor seria se existisse, também, documento que registrasse as piores práticas. "Top 10 cagadas na criação de automóveis". Ou "Porque demoramos muitos anos para acertar a fórmula do WD-40". "Tire o pé daí! Seu trabalho não é sua casa". O mundo seria um lugar muito mais divertido.

PS: O terremoto no Japão e a ameaça de uma crise nuclear são fatos recentes horríveis. O mundo deveria documentar e aprender com eles. Para muitos, esquecer pode parecer a melhor solução. Mas não é. O que o Japão está aprendendo agora poderá, no futuro, salvar a humanidade.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Educar é saber dizer NÃO!

Primeiramente, Feliz Ano Novo a todos! Fiquei um tempo longe do blog (enquanto acumulava mais gorduras na região abdominal, somando as comilanças das festas de fim-de-ano com um calorzinho bom nas praias do Paraná) mas agora estou de volta com as baterias recarregadas. Os 3 (três) seguidores do blog ficarão contentes com isso.

Fiquei longe do blog, porém "antenado" nas notícias. Infelizmente nem todos tiveram um bom início de ano. Talvez seja um pouco tarde pra falar sobre esse assunto, ainda mais nesse mundo tão imediatista - onde notícias se tornam "old" com muita rapidez -, mas acho importante abordar a questão de um modo diferente.

Ano passado, exatamente no dia 5 de janeiro, ao ler algumas notícias na internet, deparei-me com uma chamada interessante. Como trabalho com planos diretores achei muito engraçado. Vejam só:



Resolvi guardar a imagem pois me imaginei em uma sala de aula, ou uma palestra para estudantes, ao tentar justificar a importância de um plano diretor. Vi-me falando: "Viram só o estado que a pobre cidade de São Luiz do Paraitinga ficou, só porque não tem plano diretor?". Imaginei gargalhadas dos alunos, enquanto eu me preparava para reprimí-los ante a seriedade da questão.

A seguinte imagem aparecia ao clicar no destaque:


Provavelmente um editor mal-informado, ou um estagiário mesmo, colocou a culpa da enchente no plano diretor. Ficou engraçado, perfeito pra um início de palestra. Deixei guardado pra uma ocasião especial.

Surpresa mesmo foi ver a próxima imagem, um ano depois:


Notaram a semelhança? Notaram que as datas são muito próximas, porém em anos diferentes? Pelo menos agora ninguém culpou o plano diretor, ou a falta dele.

Coitado do plano diretor. Ele sabia. Ele avisou, ou pelo menos tentou avisar. Ele falou que existiam áreas de risco de ocupação, que deveriam ser mantidas intactas. Ele alertou para a necessidade de fiscalização, de acompanhamento e monitoramento dessas áreas. Ele até citou dois amigos: o código florestal (este já mais velho e cansado das firulas dos progressivistas) e a resolução conama 303/2002 (incansável recém-formada, sempre presente em seminários e congressos) como referências, mas ninguém lhe deu bola.

O plano diretor então, preocupado com a sazonalidade dos desastres, somado à possibilidade do aumento das chuvas pelo fenômeno do aquecimento global, não se limitou a alertar. Criou até um mapinha para ajudar aos que não tinham tempo e nem paciência para ler. Esse mapinha foi apresentado em audiência pública. Vieram várias pessoas, entre autoridades, jornais, rádios, e curiosos incentivados pelo lanche grátis. "Que bonito", disse o filho de 5 anos do prefeito. Sua mãe pediu uma cópia à equipe técnica da prefeitura, só que sem as cores, para que seu filho pudesse colorir com seus lápis-de-cor de 36 unidades, recém comprados para o ano letivo (a lista da escola pediu de 12, mas como ele iria se destacar?). Todos bateram palmas ao final do evento e foram satisfeitos para suas casas, pois haviam participado democraticamente das decisões de sua cidade. O único vereador presente se arrependeu de ter saído no começo da audiência, porque as fotos que saíram nos jornais foram do final do evento. "Vou reclamar com o editor", pensou.

Após a aprovação por unanimidade na câmara, o plano diretor ganhou um lugar de honra - com direito a capa dura com letras impressas em dourado - na estante do prefeito, sendo ali imortalizado em diversas imagens oficiais, ao servir de fundo para a tradicional foto na mesa, enquanto a autoridade máxima assina documentos importantes para o futuro da cidade...

O plano diretor virou o malvado da história quando as invasões começaram. "Coitados deles", pensou o prefeito. "Aliás, ninguém quer essas áreas de preservação mesmo. São baratas, os proprietários nem ligam pra elas". "Se bem que tem o plano diretor né"..."autorizar eu não posso, é contra a lei". Mandou instalar energia pro povo, afinal sem luz eles não podem ficar. As instalações de água vieram logo em seguida. "Que homem bom", a septagenária do novo bairro fez questão de disseminar aos mais jovens. A região, então, "prosperou". Algum dia alguém regulariza aquela região lá, ou mudam esse tal de plano diretor... chato.

E, então, o plano diretor se calou. Seu amigo, o código florestal, o havia alertado sobre essa possibilidade. Ele aguardaria o momento - não por ego ou por vingança - em que diria "eu falei". Ele sabia que a natureza tem um poder muito maior que o ser humano. Conhecê-la, saber de suas possibilidades, e tentar ajudar - e não atrapalhar - o desenvolvimento,  era seu propósito, sua razão de existir. "Agora é tarde", pensou triste ao ver as notícias pelo áudio da televisão da sala do gabinete do prefeito, pois havia sido relocado para a gaveta do armário, porque a estante precisava ser povoada com livros novos sobre administração moderna, vulgo "autoajuda". O que restou do mapa de zoneamento - aquele que foi consagrado na audiência pública - foi a cópia colorida pelo seu filho, pregada na parede lateral.

O plano diretor, hoje, é esse cara aqui:


Não adianta vir agora dizendo que não tinha como prever. Todo ano ocorrem desastres naturais no Brasil, na mesma época, nos mesmos lugares. Milhões, bilhões são gastos pra serviços emergencias, reconstrução, relocamento, enfim, a restauração da dignidade das pessoas. Sempre falo que educar é saber dizer NÃO em determinados momentos. Infelizmente os políticos - que decidem nossos futuros - estão longe de ser educadores.

Não incentive o que é errado. Ouça o vovô plano diretor. Ele sabe das coisas, tem experiência, conhece a região como ninguém.



Até o ano que vem galera!