quarta-feira, 16 de março de 2011

Errar é? Uh, mano...

"Mas é isso mesmo que nos faz senhores da terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a validade dos nossos afetos. Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição que corrige a anterior e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes." (autor desconhecido).


Será que errar é mesmo humano? O homem tenta, desde sempre, considerar o erro uma coisa anormal. É visto como acidente, falta de informação necessária, coisa de gente inexperiente, irresponsável ou mal capacitada. O mundo ignora os erros, e valoriza a perfeição. Porém, para se chegar a alguma coisa perfeita, é necessário tropeçar no caminho. Afinal, ninguém nasce com o cérebro maduro. Se o erro é um caminho necessário à perfeição, por que então a humanidade sempre o ignorou?

O Renascimento foi um período marcado pela busca de um ideal: a proximidade com Deus. A igreja contratava artistas renomados para que retratassem com "precisão divina" as imagens da bíblia. As obras até hoje impressionam. Os artistas empenharam-se em matérias como anatomia humana, perspectiva, comportamento da luz e outras ciências para chegar ao padrão da época: o quase real. Ironicamente, a aquisição desse conhecimento levou vários artistas a questionar as intenções de seu contratante. Levou vários à fogueira também. Obras como a Monalisa demoraram muitos anos para serem finalizadas. Algumas, como a Capela Sistina, deixaram seus criadores loucos. Anos após, a música se tornaria objeto da necessidade patológica do homem pela perfeição. E da mesma forma, várias outras áreas de conhecimento seguiram o mesmo caminho. Antigamente, os quadros em óleo mantinham as pinceladas erradas e demais imperfeições nas camadas inferiores, como provas de que um homem, e não um deus, os criou. Os artistas eram sempre retratados sérios, talvez indignados pela falta de divindade de suas mãos.

Hoje, não se pode mais esperar anos para a finalização de uma obra. O mundo moderno, a globalização, ou qualquer definição para o tempo corrido atual, exige a mesma perfeição, mas em muito menos tempo.

O que o homem tem dificuldade em entender é que o erro é belo. Muitos erros foram tão incomuns e únicos que depois se tornaram arte. É também necessário. Cabe a pergunta: qual o método científico mais utilizado pelos teóricos para comprovar  hipóteses? Para responder, não é necessário fugir da realidade do homem comum. Como se aprende a andar de bicicleta? Não é possível aprender num livro ou e-book. A tentativa e erro, nova tentativa e erro, mais uma tentativa e novo erro, quarta tentativa - fracasso; pausa para o café; tentativa e erro, tentativa e... acerto... não - erro, é o único instrumento disponível em nossa civilização tecnologicamente hiperavançada. Ah, mas "eles" fazem simulações no computador. E o que são essas? Códigos, algoritmos e outras coisas difíceis fazendo exatamente a mesma coisa: tentando e errando, até... eventualmente... acertar. Ufa!

Portanto, a questão que se coloca é: por que o homem tenta esconder seus erros? Será que tem vergonha deles? Talvez esse sentimento apareça algumas vezes. Mas o mais importante é que o indivíduo tem medo de ser julgado. Em algumas situações não se pode errar. Uma cirurgia, um cálculo de uma estrutura de concreto, o fechamento do balanço contábil de uma empresa, por exemplo. Errar nessas situações causaria grandes prejuízos econômicos e de saúde. No geral, os erros são puníveis. Os culpados, identificados, condenados, expulsos e o pior: rotulados. A sociedade ética e a consciência coletiva não consideram o arrependimento como virtude. O perdão não é praticado. Pela lei, o indivíduo pode até cumprir a pena e "zerar" seu débito. Mas a sociedade é muito mais conservadora.

E por que alguns erros são mais importantes que outros? A lei é a tentativa da sociedade de passar a limpo seus conceitos éticos - o que é considerado justo, o que e como deverá ser punido. Os crimes são catalogados, como em um cardápio de opções com preços. Mas quem faz as leis? Quem as aprova? Será que crimes eleitorais e políticos são puníveis da mesma forma? E por que não são? Muitas vezes, crimes como desvios de verba pública podem parecer menos importantes que roubos comuns, ao comparar a quantidade de punições para cada um. Então, se a punição é menor e muitas vezes nem acontece, há a percepção de que o tipo de erro é menos importante. Muitos acham que nem são erros. Muitos brigam pela oportunidade de errar.

A tecnologia ajudou a esconder os erros. É muito mais fácil, hoje, passar a borracha. Basta um desfazer, um "delete", um "ctrl+z" para apagar de vez o registro do erro. Parece que ele nunca aconteceu. E "voilá", você é uma pessoa perfeita, invejada, influenciará milhares... Em escalas maiores dessa mesma atitude, as empresas escondem seus erros, os políticos mentem, e muitas pessoas inocentes são condenadas. Mas a mesma tecnologia, que permitiu com tanta maestria ocultar os defeitos característicos do ser humano, pode também ser utilizada para achá-los. Um sítio na internet, que causou dor de cabeça em muita gente, coloca, disponível para qualquer indivíduo visualizar, as confidências e os segredos dos países mais importantes do mundo. A internet é o "olho que tudo vê". Muito cuidado!

Interessante é comparar as visões que a sociedade e a religião têm com os atos errados. A Deus, tudo é perdoável, desde que o indivíduo se arrependa. Tudo bem, esqueçam por um momento os momentos bíblicos de revolta e fúria do ser superior à humanidade, como quando teria expulsado Adão e Eva do paraíso. Ou mesmo comparar com o que naturalmente é ensinado pelas mães nos lares. Fez errado, peça desculpas. Arrependimento e perdão. Nunca mais a criança errará de novo. E se o fizesse, surras cinematográficas seriam o castigo, com direito a traumas futuros. Sem apologias ao chinelo ou ao cinto. Todavia, esse jovem aprendeu a lição. E ensinará seus filhos a não cometer o mesmo erro.

É esse processo que está se acabando - o aprendizado. Quando se quer aprender como fazer alguma coisa, obtém-se fácil o que fazer. Mas e quanto ao que NÃO fazer? Muitos manuais de produtos eletrônicos sabiamente passaram a incorporar os erros mais comuns. "Não coloque os dedos, a mão, o pênis...". Muitos gestores incentivam a elaboração de manuais ou guias de melhores práticas. Pensa-se para o futuro que melhor seria se existisse, também, documento que registrasse as piores práticas. "Top 10 cagadas na criação de automóveis". Ou "Porque demoramos muitos anos para acertar a fórmula do WD-40". "Tire o pé daí! Seu trabalho não é sua casa". O mundo seria um lugar muito mais divertido.

PS: O terremoto no Japão e a ameaça de uma crise nuclear são fatos recentes horríveis. O mundo deveria documentar e aprender com eles. Para muitos, esquecer pode parecer a melhor solução. Mas não é. O que o Japão está aprendendo agora poderá, no futuro, salvar a humanidade.

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