A velocidade do objeto depende de seu observador. Creio que muitos professores de física repetem essa frase diariamente para seus alunos. Diversas óticas, desde o pensamento mais simples até a complexa Teoria da Relatividade, podem se extrair dessa afirmação. A coisa se torna ainda mais complicada quando o pensamento se expande para outras ciências, como sociologia, anatomia e outras. A verdade é que a percepção do fato é diferente do fato real. As diferenças de estado do observador podem, inclusive, mudar sua própria visão ou percepção de determinadas coisas. Às vezes até um estado emocional diferente do normal pode levar quem observa a perceber uma nova realidade nas mesmas coisas.
Todo esse parágrafo pseudofilosófico serve apenas para demonstrar que a nossa percepção das coisas depende tanto do estado das próprias coisas como de nosso próprio estado. Como em geral não dependemos da qualidade do ar para observar alguma coisa (por enquanto), assim como é na água, esses dois fatores são suficientes para criarmos diferentes "visões". O termo está entre aspas pois a percepção não se limita a somente um sentido. Sentimos com as mãos, com o nariz, às vezes até com outros membros - como os pés.
A cidade, assim como as outras coisas, pode, também, ser percebida. Muitos chamam de paisagem urbana - muito confundida com jardinagem ou outras atividades ligadas à natureza. A imagem parece estática, mas não é. As interações entre as pessoas, os deslocamentos, o clima, o estado de limpeza dos edifícios, as nuvens e as diversas possibilidades combinatórias fazem com que as imagens da cidade NUNCA sejam iguais. É errado falar como a cidade é alguma coisa, a não ser que se ressalve que a descrição se refere ao estado atual dela. A paisagem urbana ESTÁ dessa maneira, ou de outra. A "selva de pedra" é dinâmica, muda a todo momento.
Essa mudança não é o único fator que leva a diferentes percepções. Se dois fotógrafos se colocassem lado a lado para retratar a mesma paisagem, suas fotografias seriam, necessariamente, diferentes. Inicialmente pelo simples fato de estarem em posições separadas, mesmo que com pouca distância entre eles. Depois, porque seus equipamentos fotográficos poderiam não ser iguais, e ainda configurados com especificações especiais em cada um. Um carro poderia passar na hora em que ambos clicassem no botão e ainda assim aparecer em somente um retrato. O sol, refletido em um canto de janela de um edifício qualquer, poderia ofuscar uma das imagens. São infinitas e inúteis repetições do verbo "poder" no futuro do pretérito (o futuro do que não foi) para tentar, em vão, prever as combinações de acontecimentos.
Porém, somos muito mais complexos que máquinas fotográficas. Nossos sentidos interagem entre si. É comum ter a vista embaçada por cansaço físico. Quando com frio, sentimos mais sono. Alguns cheiros causam atração ou retração, dependendo da dona do sovaco vencido. Quando procuro algum endereço quando estou dirigindo, tenho que baixar o som do rádio, porque me atrapalha. E pior: não há como configurar o corpo humano. Alguns "mestres" japoneses dizem que dá, por meio de toques em pontos específicos, que causariam sensações e emoções nas pessoas. Tudo bem, consigo imaginar alguns lugares que poderiam "configurar" o estado da pessoa. Também, quando estamos em movimento, temos sentimentos alterados. Ou quando sentimos perigos latentes. Um término de relacionamento, por exemplo, pode causar várias alterações na psique humana, inclusive-zive na forma como se percebe a cidade.
Esse texto conceitual serve para introduzir uma série de outros que virão. O ponto que quero chegar é que, se uma pessoa quer ter uma experiência completa - ou o mais perto possível da completa - de percepção da cidade, então ela deve interagir com o espaço urbano de inúmeras e diferentes maneiras. Acho engraçado, por exemplo, os que se dizem serem especialistas em transporte coletivo, mas não utilizam esse serviço em seu dia a dia. Também, há os que querem solucionar os problemas de ocupações irregulares, mas moram em mansões em áreas nobres. Há inclusive-zive os que gerenciam recursos da saúde, mas utilizam os recursos de outros estados para tratar a sua própria. Interagir com a cidade é vivê-la da mesma forma que os diversos habitantes dela. Então, para pensar a cidade, não basta olhar um mapa. Existe muita informação que poderia ser aproveitada direto das fontes - quentinhas, recém saídas do forno.
Nos próximos textos abordarei a cidade de Brasília sob o aspecto deslocamento. Serão três percepções da cidade em determinado momento: de carro, de moto e de tênis (a pé). Inverti a ordem natural de "evolução" de deslocamento do ser humano porque, aqui na capital federal, é a ordem progressiva de complexidade em mobilidade. Traduzindo: aqui, é mais fácil falar de deslocamentos em veículos do que a pé, por conta do desenho urbano e das políticas públicas direcionadas para os automóveis.
Observa-se. Percebe-se. Pensa-se. Vive-se. Vamos "misturar" essa lógica?
Legal https://nfhsq.com.br/
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