terça-feira, 17 de setembro de 2013

No Nível Deles

Dia 21 de setembro se comemora o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.

Alguns podem pensar porque foi usado o termo “luta”. Essa palavra em geral é utilizada para guerras, batalhas, combates, disputas. Todos esses infortúnios criados pelo ser humano exigem algum esforço ou comprometimento físico. Às vezes até demais. Como, então, pessoas com deficiência poderiam lutar?

Observem a imagem abaixo:



Essa é uma vista da Rua Barata Ribeiro, próximo ao Hospital Sírio-Libanês. Área nobre da capital paulista, próximo à Avenida Paulista – centro do centro econômico do país. Claro que os famosos chegam de helicóptero.

Isso nos leva a pensar: o que é acessibilidade? O que é acessível? Segundo a norma NBR 9050, da ABNT, é um espaço, edificação, mobiliário, equipamento urbano ou elemento que possa ser alcançado, acionado, utilizado e vivenciado por qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade reduzida.

Pensemos na imagem acima. Pensemos nas ruas por onde passamos todos os dias. Pensemos em nossas casas, os locais onde trabalhamos, onde fazemos nossas compras, onde praticamos atividades físicas ou de lazer. Não posso deixar de pensar: acessível para quem? Ali quase é necessário escalar!

É muito claro que a definição é utópica. Eu prefiro o termo “acessibilidade universal” – antes utilizado –, pois a utopia de conseguir abranger o universo todo está mais clara, escancarada na própria palavra.

Então, é uma luta sim! Se eu penei para subir essa ladeira, imaginem uma pessoa em cadeira de rodas, de muletas ou com bengalas. Não precisa ter deficiência física. Um esportista de final de semana com físico invejável (como eu), recuperando-se de uma lesão no joelho. Que tal uma senhora de idade? Ou um garotão que se alimenta à base de proteínas, aminoácidos e outras drogas sintéticas, mas carrega a compra do supermercado em um carrinho de mão? Todos terão dificuldades.

E enquanto discutimos as condições (ou falta de condições) para tornar nosso ambiente mais acessível, os médicos estão fazendo pesquisas com células-tronco e outras para achar formas de recuperar a capacidade física das pessoas. Alguns até se aventuram em áreas como física, cinética, robótica. Os médicos estão buscando áreas diversas das especialidades deles – saindo das zonas de conforto. Porque não podemos fazer o mesmo?

O CENSO de 2010, realizado pelo IBGE, aponta que cerca de 23,90% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. São 45,6 milhões de pessoas que se locomovem, vêem, ouvem e pensam de forma diferente do “normal”. São cidadãos que teriam muito mais dificuldades diante de situações como a da ladeira.

A luta de toda essa galera não é somente contra as barreiras físicas. São inúmeros os casos de problemas psicológicos causados pelo preconceito e outros infortúnios criados pelo ser humano. A luta ainda passa pela burocracia de governos, pelo egoísmo criado pelas características capitalistas e, em último caso, pela omissão daqueles que acham que já têm problemas suficientes.

Imagine-se com uma deficiência. Imagine um filho seu com deficiência. Ou um irmão.

Penso que as pessoas com deficiências somente ganharão essa luta se não estiverem sozinhas. Não precisa ter um grandioso nível de comprometimento para ajudar. Não é necessário ter uma lei que obrigue a fazer (mas tem). É no nosso dia-a-dia que tomamos decisões que podem afetar as vidas dessas pessoas. Nesses momentos é que podemos cumprir o óbvio, o esperado, o banal, ou podemos fazer pequenas ações extraordinárias.

A luta é nossa! Não é só deles! O nome deveria ser “Dia de Luta PELA Pessoa com Deficiência”. Tratemos deles como merecem ser tratados: como se fossem das nossas famílias. Aí sim teremos motivos para comemorar.

Então, enquanto os médicos não descobrem maneiras mais eficazes de fazer com que as pessoas com deficiências se levantem e cheguem ao nosso nível, devemos, nós, chegar ao nível deles.

Isso significa que devemos baixar o nosso nível?

Sim! Somente com um olhar com altura entre 1,0m e 1,20m é que teremos a visão real do desafio.



Façam um exercício ao passarem por uma calçada com piso tátil. Definam seu destino, fechem os olhos e andem. Usem o tato como guia. Não vale espiar. Mas cuidado com os carros!

sábado, 2 de março de 2013

"Tem um dinheiro aí?"

Hoje de manhã, enquanto eu saía da padaria, um homem me abordou e pediu dinheiro. Ele disse que era para pegar o ônibus para Toledo. Enquanto estava entrando no carro, eu disse "não". Aí ele insistiu, perguntou se eu não daria nem dez centavos. Falei "não vou dar". Ele ficou parado ao lado do carro, pareceu não acreditar no que eu havia dito. Então, olhei nos olhos dele, e ele saiu de perto. Ao sair com o carro, olhei no retrovisor. Ele abanou os braços, batendo-os de leve contra as pernas, em sinal de indignação.

Decidi não dar dinheiro a ele porque a história, no momento, não me convenceu. Já fui abordado por inúmeras pessoas, em diversos locais diferentes, que pediram dinheiro com essa mesma justificativa. Ele estava vestido normalmente, não era um mendigo. Simplesmente não pareceu que aquilo fosse verdade na hora.

Um fato com certeza pesou. Eu havia deixado minha filha em casa para ir na padaria. Ela estava acordada e vendo televisão. Disse que precisava ir, para que ela pudesse tomar o café da manhã. Ela concordou. Levei a chave. Eu só queria ir e voltar o mais rápido possível. Se eu fosse assaltado, ela estaria em perigo também.

Pensei sobre o que aconteceu no caminho e depois em casa. Fiquei com várias dúvidas.

Será que temos que dar dinheiro? Independente da necessidade do pedinte, ao sermos abordados, estamos em situação de débito? Sou uma pessoa ruim porque recusei? Ou porque simplesmente duvidei da palavra dele?

Confesso que quando sou abordado dessa forma, ao sair ou ao chegar no carro, já fico com receios. Ouço diversos casos todo dia de pessoas que foram abordadas e, ao demonstrarem boa intenção, descobriram a má intenção de quem abordou. Até a polícia dá inúmeras dicas de como se proteger. Ela informa que as abordagens enquanto a pessoa adentra ao carro representam grande parte dos crimes nas cidades. Talvez, parte do que senti, e da forma como reagi, foi por necessidade de defesa. Mesmo que pequena.

Outro pensamento interessante. Eu deveria ter mentido? Poderia dizer, no momento, que não tinha dinheiro. Apesar que o tilintar das moedinhas no bolso poderia me denunciar. Poderia ter dito que paguei no cartão. Assim, não haveria dinheiro para dar, nem o aparente "compromisso".

Eu não minto. Dando o exemplo, ensino minha filha a não mentir. Não acho que a mentira seja necessária, embora muitos afirmem que seja. Se não posso dizer a verdade, simplesmente não digo nada. Caso a informação afete não somente a mim, falo que não posso informar. No caso da abordagem, falei a verdade. Várias pessoas inventariam histórias. Ou até dariam o dinheiro, de forma a livrar-se logo do "inconveniente".

Por outro lado, penso que eu deveria ter sido mais humano. A história poderia ser verdade. O olhar dele pareceu mesclar sentimentos de indignação e de decepção. Mas só fui perceber isso no caminho de volta.

Tento me imaginar em situação semelhante. É uma humilhação, para uma pessoa que preza pelo trabalho, ter que pedir. Não seria confortável, pelo menos para mim.

Depois de pensar muito, arrependi-me do que fiz. Várias dúvidas permaneceram na minha cabeça. Naquele momento, eu poderia tentar questioná-lo, de maneira a eliminar as dúvidas. Poderia ter perguntado, de forma ríspida: "onde você mora em Toledo?", ou "o que veio fazer aqui num sábado de manhã?", "em qual empresa veio fazer a entrevista?". Se a história dele ficasse um pouco mais verídica, acho que eu teria dado o dinheiro.

Ou talvez não. Confesso que não sei.

Também não acho que devo internalizar essa situação e tentar agir dessa maneira da próxima vez que eu for abordado. Talvez alguns "circuitos" do meu cérebro estavam alertas. É possível que meu inconsciente "captou" alguma coisa, emitiu um alerta, e no "balanço contábil" da avaliação entre a verdade e a mentira - com peso importante por ter deixado minha filha em casa -, pareceu-me a melhor atitude a tomar no momento.

Decidi escrever sobre o assunto porque, apesar de parecer banal, acontece diariamente com todos nós. Em todas as cidades existem pedintes, flanelinhas, "malucos que falam sozinhos" (esses merecem um texto à parte), assim como pessoas com intenções diversas, como viciados, assaltantes e outros. São personagens das cidades, assim como nós. Se queremos viver em sociedade, viveremos com essas pessoas.

Mesmo que algumas pessoas relutem, há pouco o que fazer. Não cabe dizer que o governo não está fazendo seu papel. Creio que existam pessoas com problemas em todos os países, inclusive os mais desenvolvidos. Os governos trabalham para diminuir os problemas das pessoas. Mas sem o auxílio de toda a sociedade, é um trabalho perdido.

Tudo isso, ao final, foi positivo para mim. O que aconteceu me fez refletir, e isso é sempre bom. Esse fato me ensinou que tenho que ter a mente limpa de preconceitos, avaliar bem a situação, tentar obter o máximo de informação que for possível no momento, confiar que meu "CPU" faça uma salada com tudo isso e tomar a decisão que aparente seja a correta. Confesso que falhei em tentar obter o máximo de informações. Mas me orgulho de não ter mentido.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Brasil, quem paga (a conta) é você


Havia tempo que não me empolgava com algum assunto para colocar no blog. Mas esse ano de 2013 já começou bem. A Globo está passando uma série de reportagens no Fantástico sobre problemas de infraestrutura no país. Chama-se "Brasil, quem paga é você".

Foram duas reportagens até agora, uma no dia 06/01 e outra em 20/01. A primeira sobre diversas obras, tanto privadas quanto públicas, e a segunda exclusivamente sobre a obra de transposição do Rio São Francisco. Vale a pena conferir:

http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/obra-de-usina-no-rs-esta-parada-ha-25-anos/2330039/

http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/transposicao-do-rio-sao-francisco-esta-mais-cara-e-atrasada/2357169/

Confesso que, antes de ver, achei que perderia meu tempo. Imaginei que seriam como quaisquer outras - que nos revoltam, mas não mexem conosco. Viram assunto nas segundas, para depois esquecê-las e continuar nossas vidas normais.

Mas essas me surpreenderam. Ambas foram muito bem feitas. Entendo que abordaram os fatos de forma profissional e por isso resolvi recomendá-las. Alguns fatos chamaram muito minha atenção. Os repórteres conseguiram colocar as situações de maneira explícita, sem manipulações. Foram aos locais das obras, para poder verificar de perto. Buscaram diversas fontes, tanto responsáveis diretos pelas obras quanto os diretamente afetados por elas. Foram apartidários, não julgaram e não apontaram responsáveis. E mostraram o lado social - as pessoas que realmente precisam dos benefícios que essas obras poderiam trazer. Mostraram em High-Definition tanto as ferrugens de obras paradas quanto as peles queimadas do sol dos moradores locais, sem energia ou sem água.

A conclusão de ambas é o que faz pensar. Será que planejamos o suficiente? Poderíamos ter aprimorado os projetos, calculado direito os custos? Será que pensamos com carinho no meio ambiente e no lado social? E os riscos de ocorrer problemas? Talvez, em determinado momento, deveríamos ter pensado que o plano não era assim tão bom. Mas não falamos, com medo de perder nossos empregos ou afetar nossos egos pessoais e profissionais.

Coloco essa questão na primeira pessoa, pois todos nós somos responsáveis por esses fatos. Essa é a grande sacada das reportagens. Algumas pessoas são em maior escala, outras em menor. Talvez por simplesmente não querermos participar - por preguiça ou outra coisa.

 Não somos perfeitos. Mas existe uma coisa que é inaceitável. TEMOS que aprender com nossos erros. As culturas de países "desenvolvidos" foram moldadas com muito custo - com os erros da história. Mas, em determinado momento, geralmente quando passaram por grandes traumas (guerras, doenças, desrespeito a direitos humanos, intransigência de governantes, bombas atômicas,...), eles os documentaram e aprenderam com eles. Quantos filmes emocionam milhões com histórias de pessoas que sofreram, venceram e aprenderam. Pessoas simples, como nós.

Talvez não tenhamos que passar por isso. Ou talvez tenhamos. Não tenho olhos para enxergar o futuro. Mas que o que passamos nos faz crescer, isso é certo. Desde que aprendamos. Talvez precisemos de um governante que, ao invés de dizer o que o país fará por nós, pergunte o que podemos fazer por ele (pelo país). Alguém já disse isso antes?

Então, obrigado à Globo, que conseguiu transformar esse tema, tão caro a todos nós, em emoção. Estou aguardando ansiosamente a próxima reportagem.

domingo, 25 de março de 2012

Economista americano é a favor de estimular (ainda mais) a concentração urbana.

(Cópia do email enviado à Revista Veja, referente à entrevista com o economista americano Edward Glaeser na edição com data de 28/03/2012)


Tentarei resumir minha impressão ao ler a entrevista com o Sr. Edward Glaeser: que bom que poucos economistas americanos planejam nossas cidades. Não acreditei quando li a afirmação dele de que basicamente só lugares com alta concentração de gente justificariam investimentos em grandes museus, teatros, hospitais, escolas e universidades.

É incrível como o Sr. Glaeser usa informações cuidadosamente selecionadas para justificar seu argumento. Como ignorar o dado de que a maioria da população residente em São Paulo sairia da metrópole se pudesse? Ao ser confrontado, ele justifica pela incompetência de governos em lidar com os problemas urbanos e muda de assunto, como se o aumento da produtividade resolvesse tudo.

Dados por dados aí vai um: a maioria das pessoas muito produtivas é infeliz. Elas não produzem porque são felizes, mas porque não são. Buscam constantemente a perfeição que nunca encontrarão. O dinheiro não é capaz de sanar esse sentimento de falta. Qualidade de vida não se mede em produtividade, Sr. Glaeser. É uma condição inerente ao ser humano, e não às empresas. Essas sim são felizes nas grandes cidades.

O que ele defende é o clássico pensamento modernista - característico da era industrial, no início do século XX. Pensava-se a produtividade como o foco da vida das pessoas. Demoramos muitos anos para estudar os efeitos que o excesso de concentração urbana - decorrente dessa necessidade produtiva - trouxe para a sociedade e para as próprias pessoas.

Só saberemos o porquê desse pensamento "atual" se estudarmos a rotina urbana do Sr. Glaeser. Aposto que ele não mora próximo do metrô, não pega um ônibus apertado todo dia às 5 da manhã para chegar no trabalho às 8, não deve ser constantemente assaltado, não deve ter filhos com problemas com drogas e, provavelmente, nunca teve que aguardar na fila para ser atendido em um hospital público.

Tenho problemas em entender os estudiosos de escritório, que acham que os números justificam tudo. Planejar uma cidade é mais do que isso. Só confio em um método de pesquisa apropriado para o levantamento adequado dos problemas urbanos: a imersão. Tem que botar o pé na rua! Pegar ônibus, tentar conseguir um remédio na rede pública, usar o sanitário em uma residência de situação de risco, ligar para o chefe e avisar que vai chegar atrasado porque existe uma greve, enchente ou qualquer outro problema. Conversar, e muito, com as pessoas, porque simplesmente não dá para tentar entender todos os aspectos desse enorme formigueiro chamado cidade sozinho. O estudioso de Harvard de terno não é corajoso por achar que entende o mundo e dizer que está tudo errado. Isso é fácil.

É muito interessante comparar essa entrevista com a da Presidente Dilma, algumas páginas após. O "choque" cultural entre as mentalidades é gritante. A colocação das duas na mesma edição parece proposital. Parabéns à Veja por mostrar a controvérsia diretamente, sem filtros.

Thiago Cesar de Oliveira
Arquiteto e Urbanista
Cascavel/PR

terça-feira, 26 de abril de 2011

Percepções da Cidade - Conceitos

A velocidade do objeto depende de seu observador. Creio que muitos professores de física repetem essa frase diariamente para seus alunos. Diversas óticas, desde o pensamento mais simples até a complexa Teoria da Relatividade, podem se extrair dessa afirmação. A coisa se torna ainda mais complicada quando o pensamento se expande para outras ciências, como sociologia, anatomia e outras. A verdade é que a percepção do fato é diferente do fato real. As diferenças de estado do observador podem, inclusive, mudar sua própria visão ou percepção de determinadas coisas. Às vezes até um estado emocional diferente do normal pode levar quem observa a perceber uma nova realidade nas mesmas coisas.


Todo esse parágrafo pseudofilosófico serve apenas para demonstrar que a nossa percepção das coisas depende tanto do estado das próprias coisas como de nosso próprio estado. Como em geral não dependemos da qualidade do ar para observar alguma coisa (por enquanto), assim como é na água, esses dois fatores são suficientes para criarmos diferentes "visões". O termo está entre aspas pois a percepção não se limita a somente um sentido. Sentimos com as mãos, com o nariz, às vezes até com outros membros - como os pés.

A cidade, assim como as outras coisas, pode, também, ser percebida. Muitos chamam de paisagem urbana - muito confundida com jardinagem ou outras atividades ligadas à natureza. A imagem parece estática, mas não é. As interações entre as pessoas, os deslocamentos, o clima, o estado de limpeza dos edifícios, as nuvens e as diversas possibilidades combinatórias fazem com que as imagens da cidade NUNCA sejam iguais. É errado falar como a cidade é alguma coisa, a não ser que se ressalve que a descrição se refere ao estado atual dela. A paisagem urbana ESTÁ dessa maneira, ou de outra. A "selva de pedra" é dinâmica, muda a todo momento.

Essa mudança não é o único fator que leva a diferentes percepções. Se dois fotógrafos se colocassem lado a lado para retratar a mesma paisagem, suas fotografias seriam, necessariamente, diferentes. Inicialmente pelo simples fato de estarem em posições separadas, mesmo que com pouca distância entre eles. Depois, porque seus equipamentos fotográficos poderiam não ser iguais, e ainda configurados com especificações especiais em cada um. Um carro poderia passar na hora em que ambos clicassem no botão e ainda assim aparecer em somente um retrato. O sol, refletido em um canto de janela de um edifício qualquer, poderia ofuscar uma das imagens. São infinitas e inúteis repetições do verbo "poder" no futuro do pretérito (o futuro do que não foi) para tentar, em vão, prever as combinações de acontecimentos.

Porém, somos muito mais complexos que máquinas fotográficas. Nossos sentidos interagem entre si. É comum ter a vista embaçada por cansaço físico. Quando com frio, sentimos mais sono. Alguns cheiros causam atração ou retração, dependendo da dona do sovaco vencido. Quando procuro algum endereço quando estou dirigindo, tenho que baixar o som do rádio, porque me atrapalha. E pior: não há como configurar o corpo humano. Alguns "mestres" japoneses dizem que dá, por meio de toques em pontos específicos, que causariam sensações e emoções nas pessoas. Tudo bem, consigo imaginar alguns lugares que poderiam "configurar" o estado da pessoa. Também, quando estamos em movimento, temos sentimentos alterados. Ou quando sentimos perigos latentes. Um término de relacionamento, por exemplo, pode causar várias alterações na psique humana, inclusive-zive na forma como se percebe a cidade.

Esse texto conceitual serve para introduzir uma série de outros que virão. O ponto que quero chegar é que, se uma pessoa quer ter uma experiência completa - ou o mais perto possível da completa - de percepção da cidade, então ela deve interagir com o espaço urbano de inúmeras e diferentes maneiras. Acho engraçado, por exemplo, os que se dizem serem especialistas em transporte coletivo, mas não utilizam esse serviço em seu dia a dia. Também, há os que querem solucionar os problemas de ocupações irregulares, mas moram em mansões em áreas nobres. Há inclusive-zive os que gerenciam recursos da saúde, mas utilizam os recursos de outros estados para tratar a sua própria. Interagir com a cidade é vivê-la da mesma forma que os diversos habitantes dela. Então, para pensar a cidade, não basta olhar um mapa. Existe muita informação que poderia ser aproveitada direto das fontes - quentinhas, recém saídas do forno.

Nos próximos textos abordarei a cidade de Brasília sob o aspecto deslocamento. Serão três percepções da cidade em determinado momento: de carro, de moto e de tênis (a pé). Inverti a ordem natural de "evolução" de deslocamento do ser humano porque, aqui na capital federal, é a ordem progressiva de complexidade em mobilidade. Traduzindo: aqui, é mais fácil falar de deslocamentos em veículos do que a pé, por conta do desenho urbano e das políticas públicas direcionadas para os automóveis.

Observa-se. Percebe-se. Pensa-se. Vive-se. Vamos "misturar" essa lógica?

quarta-feira, 16 de março de 2011

Errar é? Uh, mano...

"Mas é isso mesmo que nos faz senhores da terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a validade dos nossos afetos. Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição que corrige a anterior e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes." (autor desconhecido).


Será que errar é mesmo humano? O homem tenta, desde sempre, considerar o erro uma coisa anormal. É visto como acidente, falta de informação necessária, coisa de gente inexperiente, irresponsável ou mal capacitada. O mundo ignora os erros, e valoriza a perfeição. Porém, para se chegar a alguma coisa perfeita, é necessário tropeçar no caminho. Afinal, ninguém nasce com o cérebro maduro. Se o erro é um caminho necessário à perfeição, por que então a humanidade sempre o ignorou?

O Renascimento foi um período marcado pela busca de um ideal: a proximidade com Deus. A igreja contratava artistas renomados para que retratassem com "precisão divina" as imagens da bíblia. As obras até hoje impressionam. Os artistas empenharam-se em matérias como anatomia humana, perspectiva, comportamento da luz e outras ciências para chegar ao padrão da época: o quase real. Ironicamente, a aquisição desse conhecimento levou vários artistas a questionar as intenções de seu contratante. Levou vários à fogueira também. Obras como a Monalisa demoraram muitos anos para serem finalizadas. Algumas, como a Capela Sistina, deixaram seus criadores loucos. Anos após, a música se tornaria objeto da necessidade patológica do homem pela perfeição. E da mesma forma, várias outras áreas de conhecimento seguiram o mesmo caminho. Antigamente, os quadros em óleo mantinham as pinceladas erradas e demais imperfeições nas camadas inferiores, como provas de que um homem, e não um deus, os criou. Os artistas eram sempre retratados sérios, talvez indignados pela falta de divindade de suas mãos.

Hoje, não se pode mais esperar anos para a finalização de uma obra. O mundo moderno, a globalização, ou qualquer definição para o tempo corrido atual, exige a mesma perfeição, mas em muito menos tempo.

O que o homem tem dificuldade em entender é que o erro é belo. Muitos erros foram tão incomuns e únicos que depois se tornaram arte. É também necessário. Cabe a pergunta: qual o método científico mais utilizado pelos teóricos para comprovar  hipóteses? Para responder, não é necessário fugir da realidade do homem comum. Como se aprende a andar de bicicleta? Não é possível aprender num livro ou e-book. A tentativa e erro, nova tentativa e erro, mais uma tentativa e novo erro, quarta tentativa - fracasso; pausa para o café; tentativa e erro, tentativa e... acerto... não - erro, é o único instrumento disponível em nossa civilização tecnologicamente hiperavançada. Ah, mas "eles" fazem simulações no computador. E o que são essas? Códigos, algoritmos e outras coisas difíceis fazendo exatamente a mesma coisa: tentando e errando, até... eventualmente... acertar. Ufa!

Portanto, a questão que se coloca é: por que o homem tenta esconder seus erros? Será que tem vergonha deles? Talvez esse sentimento apareça algumas vezes. Mas o mais importante é que o indivíduo tem medo de ser julgado. Em algumas situações não se pode errar. Uma cirurgia, um cálculo de uma estrutura de concreto, o fechamento do balanço contábil de uma empresa, por exemplo. Errar nessas situações causaria grandes prejuízos econômicos e de saúde. No geral, os erros são puníveis. Os culpados, identificados, condenados, expulsos e o pior: rotulados. A sociedade ética e a consciência coletiva não consideram o arrependimento como virtude. O perdão não é praticado. Pela lei, o indivíduo pode até cumprir a pena e "zerar" seu débito. Mas a sociedade é muito mais conservadora.

E por que alguns erros são mais importantes que outros? A lei é a tentativa da sociedade de passar a limpo seus conceitos éticos - o que é considerado justo, o que e como deverá ser punido. Os crimes são catalogados, como em um cardápio de opções com preços. Mas quem faz as leis? Quem as aprova? Será que crimes eleitorais e políticos são puníveis da mesma forma? E por que não são? Muitas vezes, crimes como desvios de verba pública podem parecer menos importantes que roubos comuns, ao comparar a quantidade de punições para cada um. Então, se a punição é menor e muitas vezes nem acontece, há a percepção de que o tipo de erro é menos importante. Muitos acham que nem são erros. Muitos brigam pela oportunidade de errar.

A tecnologia ajudou a esconder os erros. É muito mais fácil, hoje, passar a borracha. Basta um desfazer, um "delete", um "ctrl+z" para apagar de vez o registro do erro. Parece que ele nunca aconteceu. E "voilá", você é uma pessoa perfeita, invejada, influenciará milhares... Em escalas maiores dessa mesma atitude, as empresas escondem seus erros, os políticos mentem, e muitas pessoas inocentes são condenadas. Mas a mesma tecnologia, que permitiu com tanta maestria ocultar os defeitos característicos do ser humano, pode também ser utilizada para achá-los. Um sítio na internet, que causou dor de cabeça em muita gente, coloca, disponível para qualquer indivíduo visualizar, as confidências e os segredos dos países mais importantes do mundo. A internet é o "olho que tudo vê". Muito cuidado!

Interessante é comparar as visões que a sociedade e a religião têm com os atos errados. A Deus, tudo é perdoável, desde que o indivíduo se arrependa. Tudo bem, esqueçam por um momento os momentos bíblicos de revolta e fúria do ser superior à humanidade, como quando teria expulsado Adão e Eva do paraíso. Ou mesmo comparar com o que naturalmente é ensinado pelas mães nos lares. Fez errado, peça desculpas. Arrependimento e perdão. Nunca mais a criança errará de novo. E se o fizesse, surras cinematográficas seriam o castigo, com direito a traumas futuros. Sem apologias ao chinelo ou ao cinto. Todavia, esse jovem aprendeu a lição. E ensinará seus filhos a não cometer o mesmo erro.

É esse processo que está se acabando - o aprendizado. Quando se quer aprender como fazer alguma coisa, obtém-se fácil o que fazer. Mas e quanto ao que NÃO fazer? Muitos manuais de produtos eletrônicos sabiamente passaram a incorporar os erros mais comuns. "Não coloque os dedos, a mão, o pênis...". Muitos gestores incentivam a elaboração de manuais ou guias de melhores práticas. Pensa-se para o futuro que melhor seria se existisse, também, documento que registrasse as piores práticas. "Top 10 cagadas na criação de automóveis". Ou "Porque demoramos muitos anos para acertar a fórmula do WD-40". "Tire o pé daí! Seu trabalho não é sua casa". O mundo seria um lugar muito mais divertido.

PS: O terremoto no Japão e a ameaça de uma crise nuclear são fatos recentes horríveis. O mundo deveria documentar e aprender com eles. Para muitos, esquecer pode parecer a melhor solução. Mas não é. O que o Japão está aprendendo agora poderá, no futuro, salvar a humanidade.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Educar é saber dizer NÃO!

Primeiramente, Feliz Ano Novo a todos! Fiquei um tempo longe do blog (enquanto acumulava mais gorduras na região abdominal, somando as comilanças das festas de fim-de-ano com um calorzinho bom nas praias do Paraná) mas agora estou de volta com as baterias recarregadas. Os 3 (três) seguidores do blog ficarão contentes com isso.

Fiquei longe do blog, porém "antenado" nas notícias. Infelizmente nem todos tiveram um bom início de ano. Talvez seja um pouco tarde pra falar sobre esse assunto, ainda mais nesse mundo tão imediatista - onde notícias se tornam "old" com muita rapidez -, mas acho importante abordar a questão de um modo diferente.

Ano passado, exatamente no dia 5 de janeiro, ao ler algumas notícias na internet, deparei-me com uma chamada interessante. Como trabalho com planos diretores achei muito engraçado. Vejam só:



Resolvi guardar a imagem pois me imaginei em uma sala de aula, ou uma palestra para estudantes, ao tentar justificar a importância de um plano diretor. Vi-me falando: "Viram só o estado que a pobre cidade de São Luiz do Paraitinga ficou, só porque não tem plano diretor?". Imaginei gargalhadas dos alunos, enquanto eu me preparava para reprimí-los ante a seriedade da questão.

A seguinte imagem aparecia ao clicar no destaque:


Provavelmente um editor mal-informado, ou um estagiário mesmo, colocou a culpa da enchente no plano diretor. Ficou engraçado, perfeito pra um início de palestra. Deixei guardado pra uma ocasião especial.

Surpresa mesmo foi ver a próxima imagem, um ano depois:


Notaram a semelhança? Notaram que as datas são muito próximas, porém em anos diferentes? Pelo menos agora ninguém culpou o plano diretor, ou a falta dele.

Coitado do plano diretor. Ele sabia. Ele avisou, ou pelo menos tentou avisar. Ele falou que existiam áreas de risco de ocupação, que deveriam ser mantidas intactas. Ele alertou para a necessidade de fiscalização, de acompanhamento e monitoramento dessas áreas. Ele até citou dois amigos: o código florestal (este já mais velho e cansado das firulas dos progressivistas) e a resolução conama 303/2002 (incansável recém-formada, sempre presente em seminários e congressos) como referências, mas ninguém lhe deu bola.

O plano diretor então, preocupado com a sazonalidade dos desastres, somado à possibilidade do aumento das chuvas pelo fenômeno do aquecimento global, não se limitou a alertar. Criou até um mapinha para ajudar aos que não tinham tempo e nem paciência para ler. Esse mapinha foi apresentado em audiência pública. Vieram várias pessoas, entre autoridades, jornais, rádios, e curiosos incentivados pelo lanche grátis. "Que bonito", disse o filho de 5 anos do prefeito. Sua mãe pediu uma cópia à equipe técnica da prefeitura, só que sem as cores, para que seu filho pudesse colorir com seus lápis-de-cor de 36 unidades, recém comprados para o ano letivo (a lista da escola pediu de 12, mas como ele iria se destacar?). Todos bateram palmas ao final do evento e foram satisfeitos para suas casas, pois haviam participado democraticamente das decisões de sua cidade. O único vereador presente se arrependeu de ter saído no começo da audiência, porque as fotos que saíram nos jornais foram do final do evento. "Vou reclamar com o editor", pensou.

Após a aprovação por unanimidade na câmara, o plano diretor ganhou um lugar de honra - com direito a capa dura com letras impressas em dourado - na estante do prefeito, sendo ali imortalizado em diversas imagens oficiais, ao servir de fundo para a tradicional foto na mesa, enquanto a autoridade máxima assina documentos importantes para o futuro da cidade...

O plano diretor virou o malvado da história quando as invasões começaram. "Coitados deles", pensou o prefeito. "Aliás, ninguém quer essas áreas de preservação mesmo. São baratas, os proprietários nem ligam pra elas". "Se bem que tem o plano diretor né"..."autorizar eu não posso, é contra a lei". Mandou instalar energia pro povo, afinal sem luz eles não podem ficar. As instalações de água vieram logo em seguida. "Que homem bom", a septagenária do novo bairro fez questão de disseminar aos mais jovens. A região, então, "prosperou". Algum dia alguém regulariza aquela região lá, ou mudam esse tal de plano diretor... chato.

E, então, o plano diretor se calou. Seu amigo, o código florestal, o havia alertado sobre essa possibilidade. Ele aguardaria o momento - não por ego ou por vingança - em que diria "eu falei". Ele sabia que a natureza tem um poder muito maior que o ser humano. Conhecê-la, saber de suas possibilidades, e tentar ajudar - e não atrapalhar - o desenvolvimento,  era seu propósito, sua razão de existir. "Agora é tarde", pensou triste ao ver as notícias pelo áudio da televisão da sala do gabinete do prefeito, pois havia sido relocado para a gaveta do armário, porque a estante precisava ser povoada com livros novos sobre administração moderna, vulgo "autoajuda". O que restou do mapa de zoneamento - aquele que foi consagrado na audiência pública - foi a cópia colorida pelo seu filho, pregada na parede lateral.

O plano diretor, hoje, é esse cara aqui:


Não adianta vir agora dizendo que não tinha como prever. Todo ano ocorrem desastres naturais no Brasil, na mesma época, nos mesmos lugares. Milhões, bilhões são gastos pra serviços emergencias, reconstrução, relocamento, enfim, a restauração da dignidade das pessoas. Sempre falo que educar é saber dizer NÃO em determinados momentos. Infelizmente os políticos - que decidem nossos futuros - estão longe de ser educadores.

Não incentive o que é errado. Ouça o vovô plano diretor. Ele sabe das coisas, tem experiência, conhece a região como ninguém.



Até o ano que vem galera!